Na carta “Fé como um Dom” vimos os nove dons espirituais mencionados por Paulo em I Coríntios 12:8-10. Agora vamos ver a lista dos nove tipos de fruto espiritual que Paulo nos dá em Gálatas 5: 22:

“Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança.” (ACF, Almeida Corrigida Fiel)

O sétimo tipo de fruto mencionada aqui, é a fé. Versões diferentes oferecem uma variedade de traduções, como “lealdade”, “fidelidade” ou “confiabilidade”. No entanto, o substantivo grego que Paulo usa é pistis. Esta é a palavra básica para a fé em todo o Novo Testamento.

Frutos Versus Dons

Uma forma de evidenciar a diferença é imaginar uma árvore de Natal e uma macieira. Uma árvore de Natal traz presentes; uma macieira dá frutos. Um presente é anexado a, e removido de uma árvore de Natal por um único e breve ato. Não há ligação direta entre a árvore e o presente: um pode ser uma peça de roupa, a outra um abeto. O presente não nos diz nada sobre a natureza da árvore da qual é tirado.

Por outro lado, há uma ligação direta entre uma maçã e a árvore que a produz. A natureza da árvore determina a natureza do fruto - tanto no que respeita ao seu tipo quanto à sua qualidade. Uma macieira nunca pode dar uma laranja. Uma árvore saudável nunca dará frutos não saudáveis (ver Mateus 7: 17–20). O fruto na macieira não é produzido por um único ato, mas é o resultado de um processo constante e contínuo de crescimento e desenvolvimento. Para produzir o melhor fruto, a árvore deve ser cuidadosamente cultivada. Isso requer tempo, habilidade e trabalho.

Vamos aplicar esta analogia simples ao reino espiritual. Um dom espiritual é transmitido e recebido por uma única transação. Não nos diz nada sobre a natureza da pessoa que o exerce. Por outro lado, o fruto espiritual expressa a natureza da vida da qual ele procede; vem como resultado de um processo de crescimento. Para obter os melhores frutos, uma vida deve ser cuidadosamente cultivada - com tempo, habilidade e trabalho.

Podemos expressar a diferença de outra maneira dizendo que os dons expressam habilidade, os frutos expressam carácter.

Qual é o mais importante? A longo prazo, sem dúvida, o carácter é mais importante do que a habilidade. O exercício dos dons é temporário. Como Paulo explica em 1 Coríntios 13: 8–13, chegará um tempo em que os dons não serão mais necessários. Mas o carácter é permanente. O carácter que desenvolvemos nesta vida determinará o que seremos por toda a eternidade. Um dia deixaremos os nossos dons para trás; o nosso carácter permanecerá para sempre.

No entanto, não precisamos de escolher um à custa do outro. Os dons não excluem os frutos; os frutos não excluem os dons. Em vez disso, são destinados a complementarem-se mutuamente. É através dons que o carácter pode expressar-se na prática. Assim como foi de forma perfeita, na pessoa do próprio Jesus. O Seu carácter amoroso e gracioso foi expresso pelo mais pleno exercício possível dos dons espirituais. Somente através dos dons Ele poderia satisfazer as necessidades das pessoas a quem veio ministrar e expressar-lhes assim plenamente a natureza do Seu Pai celestial, a quem Ele tinha vindo representar (ver João 14: 9–11).

Devemos procurar seguir o padrão de Cristo. Quanto mais desenvolvermos os atributos que caracterizaram Jesus - amor, preocupação e compaixão - mais precisaremos dos mesmos dons que Ele exerceu para dar expressão prática a esses atributos. Quanto mais plenamente estivermos equipados com esses dons, maior será a nossa capacidade de glorificar a Deus nosso Pai, assim como Jesus fez.

Então, fruto, expressa carácter. Quando todas os nove tipos de fruto espiritual estão presentes e plenamente desenvolvidos, eles representam a totalidade do carácter cristão, cada tipo de fruto satisfaz uma necessidade específica e cada um complementa o resto. Dentro dessa totalidade, o fruto da fé pode ser visto a partir de dois aspectos que correspondem a dois usos diferentes, mas relacionados, com a palavra grega pistis. O primeiro é a confiança; o segundo é a confiabilidade.

Fé Como Confiança

O primeiro aspecto da fé, como fruto é a confiança. A Bíblia de Jerusalém traduz pistis como “confiança”. Muitas vezes, Jesus enfatizou que um dos requisitos para todos os que queiram entrar no Reino de Deus é tornarem-se como criancinhas (ver Mateus 18:1–4; 19:13–14; Marcos 10:13–16; Lucas 18: 15–17). Provavelmente, não há qualidade mais distintamente característica da infância do que a confiança. E, no entanto, paradoxalmente, é uma qualidade vista na sua excelência, nos homens mais maduros de Deus - homens como Abraão, Moisés, David e Paulo. Podemos concluir, portanto, que o grau em que cultivamos a confiança é uma boa medida da nossa maturidade espiritual.

Mais plenamente, o fruto da fé pode ser definido como uma confiança silenciosa, firme e inabalável na bondade, sabedoria e fidelidade de Deus. Não importa que provações ou aparentes desastres possam ser encontrados, a pessoa que cultivou este tipo de fruto permanece calma e sossegada no meio de tudo isso. Tem uma confiança inabalável de que Deus ainda está no pleno controle de todas as situações e que, através de todas as circunstâncias, Deus está a realizar o Seu propósito de abençoar cada um dos Seus filhos.

A expressão externa desse tipo de confiança é a estabilidade. Isso é retratado lindamente por David no Salmo 125: 1:

“Aqueles que confiam no Senhor são como o monte Sião, que não pode ser abalado, mas permanece para sempre.”(ARIB, Almeida Revisada Imprensa Fiel)

Todas as montanhas da terra podem tremer e até ser totalmente removidas, exceto uma. Sião nunca pode ser movido. Foi escolhido por Deus para Sua morada, e somente ele permanecerá para sempre.

Assim é com o crente, que aprendeu a confiar. Outros ao seu redor podem dar lugar a pânico e confusão, mas ele permanece calmo e seguro.

“O seu fundamento está nos montes santos.” (Salmo 87: 1)(ACF)

Precisamos de ter a certeza de que a nossa alma está segura nas mãos do Senhor. A chave para esse tipo de confiança é o compromisso. Primeiro, assumimos um compromisso pessoal e definitivo da nossa vida, com Jesus Cristo. Então, na hora do teste, talvez no limiar da eternidade, não precisamos de comprometer-nos mais. Precisamos apenas descansar no compromisso que já fizemos, que incluía vida e morte, tempo e eternidade.

No Salmo 37: 5, David diz:

"Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele, e ele o fará”. (ACF)

Mais literalmente o versículo diz: "e Ele o está a fazer.". Duas coisas são aqui exigidas de nós. A primeira é um ato, “comprometer”. A segunda é uma atitude, “confiança”. O ato de compromisso leva à atitude de confiança. Enquanto continuarmos numa atitude de confiança, assegura-nos David, Deus "está a fazer".

Submeter um assunto ao Senhor é como levar dinheiro ao banco e depositá-lo na nossa conta. Assim que recebermos o recibo do nosso depósito, já não precisamos de preocupar-nos com a segurança do nosso dinheiro. Agora, é a responsabilidade do banco. É irónico que pessoas que não têm dificuldade em confiar num banco para tomar conta do seu dinheiro, achem muito mais difícil confiar em Deus em relação a algum assunto pessoal vital.

O exemplo do depósito bancário ilustra um fator importante para um compromisso bem-sucedido. Quando saímos do banco, trazemos um recibo oficial, indicando a data, o local e o valor do nosso depósito. Não há incertezas. Precisamos de ser igualmente específicos quanto às coisas confiadas a Deus. Precisamos de saber, sem sombra de dúvida, o que entregamos (confiamos) ao Senhor, quando e onde o compromisso foi assumido. Também precisamos do “recibo” oficial do Espírito Santo, que reconhece que Deus aceitou o nosso compromisso.

A Confiança Tem De Ser Cultivada

A confiança é como todos os tipos de fruto: tem de ser cultivada e passa por vários estágios de desenvolvimento antes de atingir a plena maturidade. As palavras de David no Salmo 62 ilustram bem o desenvolvimento da confiança: “Só Ele [Deus] é a minha rocha e a minha salvação; é ele a minha fortaleza; não serei grandemente abalado. ”(versículo 2)(ARIB). Mas depois de fazer exatamente a mesma declaração de confiança em Deus, ele diz: “...Não serei abalado." (versículo 6). Entre os versículos 2 e 6, David progrediu de não ser “grandemente abalado” para não ser abalado de forma alguma.

A confiança é como todos os tipos de fruto: tem de ser cultivada e passa por vários estágios de desenvolvimento antes de atingir a plena maturidade. As palavras de David no Salmo 62 ilustram bem o desenvolvimento da confiança: “Só Ele [Deus] é a minha rocha e a minha salvação; é ele a minha fortaleza; não serei grandemente abalado. ”(versículo 2)(ARIB). Mas depois de fazer exatamente a mesma declaração de confiança em Deus, ele diz: “...Não serei abalado." (versículo 6). Entre os versículos 2 e 6, David progrediu de não ser “grandemente abalado” para não ser abalado de forma alguma. No entanto, se continuarmos a cultivar a nossa confiança, chegaremos ao estágio em que podemos dizer: “não serei abalado” - ponto final! Nada será capaz de nos abalar - muito menos de nos derrubar.

Confiança deste tipo está no reino do espírito e não das emoções. Podemos voltar mais uma vez ao testemunho pessoal de David para uma ilustração. Ele diz ao Senhor: “Em qualquer tempo em que eu temer, confiarei em Ti." (Salmos 56: 3)(ACF). Aqui David reconhece duas influências contraditórias, simultaneamente: confiança e medo. O medo é superficial, nas emoções; a confiança é mais profunda, no espírito.

A confiança madura é como um rio profundo e forte, a percorrer o seu caminho irresistível, para o mar. Às vezes, os ventos de medo ou dúvida podem soprar no sentido contrário ao do curso do rio e criar ondas espumantes na sua superfície. Mas esses ventos e ondas não podem alterar ou dificultar o fluxo profundo e contínuo das águas abaixo da superfície, pois segue o caminho traçado para ele, pelo leito do rio, até o fim predeterminado, no mar.

A confiança na sua maturidade plena é maravilhosamente exemplificada pelas palavras de Paulo em 2 Timóteo 1:12:

“Por esta razão sofro também estas coisas, mas não me envergonho; porque eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia.” (ARIB)

Por todos os padrões mundanos, nesta fase, Paulo foi um fracasso. Alguns dos seus amigos e apoiadores mais influentes voltaram-se contra ele. De todos os seus colaboradores próximos, apenas Lucas permaneceu com ele. Demas abandonou-o mesmo e voltou para o mundo. Paulo estava enfermo e envelhecido, um prisioneiro algemado numa prisão romana, a aguardar julgamento injusto e execução às mãos de um déspota cruel e depravado. No entanto, as suas palavras soam com confiança serena e inabalável. Além do horizonte de tempo, ele anseia por um dia sem nuvens - “naquele dia”, quando o justo Juiz lhe concederá “a coroa da justiça” (ver 2 Timóteo 4: 8).

Tanto para Paulo, como para David, a confiança era o resultado de um ato de compromisso. Isso está expresso nas suas próprias palavras: “Ele é poderoso para guardar o meu depósito”. “Guardar” foi o resultado de “confiar”. Anos antes, Paulo tinha feito um compromisso irrevogável entre si próprio e Cristo. Provações e aflições subsequentes trouxeram gradualmente uma confiança cada vez maior que agora chegou ao pleno usufruto numa prisão subterrânea romana, com o seu esplendor mais brilhante ainda em contraste com o seu ambiente sombrio.

Fé Como Confiabilidade

Voltamo-nos agora para o segundo aspeto da fé como um fruto: confiabilidade. Linguisticamente, confiabilidade é de facto o significado original de pistis. No dicionário padrão de Arndt e Gingrich do grego do Novo Testamento, a primeira definição específica dada de “pistis” é: "fidelidade, confiabilidade". Se voltarmos ao Antigo Testamento, o mesmo aplica-se à palavra hebraica para fé, emunah. O seu significado primário é “fidelidade”; o seu significado secundário é "fé". O verbo do qual deriva, dá-nos a palavra Amém - "Assim seja" ou "Seja confirmado".

Ambos os significados convergem na pessoa e na natureza do próprio Deus. Se encararmos a fé como confiança, a sua única base definitiva, é a confiabilidade de Deus. Se encararmos a fé como confiabilidade, é somente através da nossa confiança que o Espírito Santo é capaz de comunicar-nos a confiabilidade de Deus. Deus é tanto o começo como o fim da fé. A Sua confiabilidade é a única base para a nossa confiança: a nossa confiança n’Ele reproduz em nós a Sua confiabilidade.

Provavelmente nenhum atributo de Deus é mais persistentemente enfatizado através das Escrituras do que a sua confiabilidade. No Antigo Testamento há uma palavra hebraica especial reservada para este atributo: chesed, que é traduzido de várias maneiras como “bondade”, “gentileza”, “benignidade” ou “misericórdia”. No entanto, nenhuma dessas traduções expressa plenamente o seu significado.

Existem duas características distintivas no chesed de Deus. Primeiro, é a expressão da graça gratuita e imerecida de Deus. Vai além de qualquer coisa que o homem mereça ou possa exigir como um direito. Segundo, é sempre baseado numa aliança na qual Deus, voluntariamente, entra. Podemos combinar essas duas características e dizer que chesed é a confiabilidade de Deus ao cumprir os Seus compromissos de aliança, que vão além de qualquer coisa que possamos merecer ou exigir.

Assim, encontramos uma ligação estreita entre três importantes conceitos hebraicos: emunah, fé ou fidelidade; chesed, a confiabilidade de Deus; berith, uma aliança. Este é o tema recorrente no salmo 89:

“E a minha fidelidade [emunah] e a minha benignidade [chesed] estarão com ele ... A minha benignidade [chesed] lhe conservarei eu para sempre, e a minha aliança [berith] lhe será firme [amém] .... Mas não retirarei totalmente dele a minha benignidade [chesed], nem faltarei à minha fidelidade [emunah]. Não quebrarei a minha aliança [berith], nem alterarei o que saiu dos meus lábios.” (Salmos 89:24, 28, 33–34)(ACF)

O último versículo traz uma relação especial entre a confiabilidade de Deus e as palavras da Sua boca. Há duas coisas que Deus nunca fará: quebrar a Sua aliança ou voltar atrás ao que Ele disse. A confiabilidade de Deus, transmitida pelo Espírito Santo, reproduzirá as mesmas características em nós. Isto tornar- nos-á pessoas de integridade e honestidade infalíveis.

Já vimos que o chesed de Deus, expresso nos Seus compromissos de aliança, é baseado na Sua graça, indo além de qualquer coisa que nós, seus vasos, possamos merecer ou exigir. Isto também será refletido nos nossos relacionamentos de aliança com outros crentes. Nós não nos limitaremos às meras exigências da justiça ou a alguma forma legal de contrato. Estaremos prontos para assumir o compromisso total que Deus fez ao estabelecer a Sua aliança connosco - de dar as nossas vidas uns pelos outros (ver 1 João 3:16). É pelo entregar das nossas vidas que entramos em plena relação de aliança com Deus e uns com os outros.

As Escrituras pintam uma imagem temerosa do colapso dos padrões morais e éticos que marcarão o fim da presente era (ver 2 Timóteo 3: 1–4). À medida que o mundo mergulha mais profundamente na escuridão, o povo de Deus deve, em contraste, estar mais determinado do que nunca a andar na luz da comunhão. Devemos mostrar-nos dispostos e qualificados para entrar e manter esses relacionamentos de aliança, dos quais depende a comunhão. Para este propósito, precisaremos de cultivar até à plena maturidade, o fruto da confiabilidade.

Sumário

O fruto espiritual difere dos dons espirituais de duas maneiras principais. Primeiro, um dom espiritual pode ser transmitido e recebido por uma única transação breve; o fruto deve ser cultivado por um processo contínuo, que exige tempo, habilidade e trabalho. Em segundo lugar, os dons não estão diretamente relacionados com o carácter daqueles que os praticam, enquanto o fruto é uma expressão de carácter. Idealmente, frutos e dons devem equilibrar-se entre si numa combinação que glorifique a Deus e sirva à humanidade.

Como um tipo de fruto, a fé pode ser entendida de duas maneiras distintas: como confiança e como confiabilidade. A confiança manifesta-se na estabilidade, que aumenta à medida que a confiança amadurece. Requer um ato inicial de compromisso. Nós baseamos a nossa confiança na confiabilidade de Deus. Deus demonstra a Sua confiabilidade em relação a nós, ao honrar os Seus compromissos de aliança, que estão além de qualquer coisa que possamos merecer ou exigir. Por sua vez, isso torna-nos o tipo de pessoa que está disposta e é capaz de fazer e guardar compromissos de aliança, tanto com Deus quanto uns com os outros.

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